"Ora afinal a vida é um bruto romance e nós vivemos folhetins sem o saber." - Sweet Home, Carlos Drummond de Andrade
Sobre o blog:
Narração dos fatos da vida de um universitário, aspirante a escritor de prosa e verso. Nesse passeio, o cotidiano, a amizade, a cidade natal, o amor e temas metafísicos ganham um enfoque literário sob a visão de quem escreve.
Sobre mim:
Nome: João Francisco Amorim Enomoto Nascimento: 20/10/1984 Idade: 21 anos Estuda: Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP - Curso Bacharelado em Ciências da Computação Família: Sandra, mamãe; Lumi, irmã; Pedro, irmão caçula. Inspirações literárias: Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, João Guimarães Rosa, José Saramago, George Orwell, Clarice Lispector, Machado de Assis, Pablo Neruda, Italo Calvino. Ouve: MPB, Bossa Nova, Samba. Gosta: de todos os amigos que tem, ouvir música, sair com os amigos, filosofar, escrever, ler livros de computacao e literatura em geral. Não gosta: gente egoísta, egocêntrica ou limitada na maneira de pensar. Lendo: Um livro aqui, outro acolá.
2005 antes de mais nada foi um ano de realizar que muitos sonhos são inatingíveis. Ou talvez foi o que se pensava acreditar. Mas afinal, o que somos nós sem os nossos sonhos, nossas esperanças? Talvez isso nos torne demasiadamente vazios, a um ponto de perdermos nossa identidade. Deve haver um equilibrio onde coexista a esperança e a realidade, exatamente o ponto que devemos buscar.
E talvez essa falta de esperança, sonhos e confiança em mim mesmo é que tenha me feito duro, frio, como a maioria das gentes de São Paulo. Talvez não haja espaço suficiente para respirar na sufocante atmosfera da cidade, aquele espaço mínimo nas nossas vidas por onde entra a poesia e sai a felicidade. E tudo isso culminou exatamente na descrença de mim como escritor, o que é algo considerável para quem me conhece verdadeiramente.
Preciso confessar: eu e a poesia somos um apenas. Inspirado diretamente por Vinícius de Moraes, o qual dizia-se viver a poesia intensamente, eu faço questão de tornar cada gesto meu, por menor que seja, um gesto poético que caiba na crônica lírica de um dia. Não tem porque não ser assim: a poesia é uma maneira de se viver, é uma escolha como tantas outras que se faz pela vida. Eu escolho ser assim, diferente, para que as pessoas possam me aceitar, respeitar e sobretudo eu poder enxergar nelas a esperança de que é possível coexistir a rotina com o lirismo.
E é dada essa relação que não há de ser o tempo quem há de apagar que eu coloco em cheque esse ano e o próximo. Faz-se necessário aceitar o meu lado poeta, meu lado escritor, e é necessário que as pessoas saibam disso. Não é capricho meu, é uma necessidade. As pessoas podem ver através dos meus olhos e ver que há algo mais (como talvez sempre se desconfiou) e inclusive podem despertar a poética. Além do quê, quantas não são as pessoas que apreciam textos e por falta de oportunidade não lêem? Dou a César o que é de César.
O resultado de tanta mistura são a constatação de que voltei definitivamente para esse lugar, para escrever e ser escrito e a necessidade de manter uma constância na escrita. Pensei no mais simples possível: um caderno. Para amar a poesia é necessário amar o papel, e não será escrevendo aqui que eu terei amor pelas tábuas onde costumeiramente se escreve. Então um caderno há de surgir e nele toda uma poesia, nova ou velha, irá brotar. Um livro, que já está há muito tempo sendo escrito.
Postado por Little John às 18:40.
Teatro de fantoches
Mal de filho único é no início da sua vida não ter com quem brincar. Posteriormente a escola corrige esse mal que no início de nossas vidas, precisamos conhecer pessoas, precisamos aprender com o mundo e é geralmente com as pessoas é que conhecessemos o mundo, como cegos que tateiam em busca de algo. Mas esse não é o caso do nosso querido filho. Ele tem alguns poucos anos e está em um impasse na frente da caixa de brinquedos com o seu pai.
Quero brincar, pai! Do que meu filho? Quero fazer algo diferente! Não podemos ainda, sua mãe ainda não chegou, precisamos esperá-la para podermos sair. Que a gente faz agora então?
A sagacidade do pai, ao ver aqueles brinquedos todos que eram novos e ao mesmo tempo tão chatos, por se assim dizer, foi ter lembrado de sua própria infância, da época em que os brinquedos eram mais feitos em casa e as horas que se gastava com eles fugiam aos limites do imaginável. Foi à gaveta de roupas e começou a procurar.
Tá procurando o que paiê? Calma, querido... Pronto! Aqui estão!
Puxou da gaveta algumas meias, uma sua, uma da sua mãe (bem delicada, como de toda mulher), uma outra meia velha e uma do pequeno. Colocou a meia da mãe numa das mãos e começou a narrar uma história:
Era uma vez, em um tempo muito muito distante, uma princesa que vivia em um castelo bem grande (puxava a cadeira e apoiou a mão com a peça de roupa sobre ela). Um dia, um príncipe (colocou à mão a sua própria meia) que passeava por ali em seu cavalo (pegou um daqueles cavalinhos de madeira artesanais que dera ao filho e apoiou sua outra mão ali).
Oh lindo príncipe! Para onde vais? Ando pelos reinos em busca de uma bela donzela com o qual possa casar. Porventura a senhorita tens esposo?
Porventura? O que é isso pai? Porventura é o mesmo que por acaso. É uma palavra que é pouco usada hoje em dia. Ah tah! Pode continuar pai!
Não, ando em idade de me casar, meu pai procura para mim um esposo que me seja bom, doce e cuide bem de mim. Pois se depender apenas disso, avisa teu pai que encontraste teu esposo! Não há nessas léguas todas que percorri moça com mais belos lindos olhos, voz tão doce e tão maravilhoso rosto! Ah príncipe! És tão maravilhoso! Adoraria ter tua companhia para sempre, como meu grande amado!
Pai! Que que é léguas? E o filho ria com o palavriado complicado do pai, como se nunca tivesse o ouvido falar de maneira tão complicada. A meu filho. Léguas é uma palavra que serve para se descrever uma distância. Vou tentar complicar menos nas palavras, tudo bem filho? Ai você não precisa ficar me perguntando toda hora o que é tal palavra, pode ser? Claro pai! Continua continua!
Pois então, o jovem príncipe passou pelos portões do castelo (passou aquela mão com sua meia por entre as pernas da cadeira). Eis então que enquanto a princesa esperava que seu amado falasse com o seu pai, o rei, um ladrão com uma longa manta preta e esfarrapada (vestia a mão onde estava o príncipe com a meia esburacada) pulou onde estava a princesa.
Ahá princesa! Vim aqui para te raptar! Oh não senhor bandido! Deixe-me!
E o bandido tomou a princesa, pulou para baixo e pegou seu cavalo (segurava uma mão com a outra e as fez pular por de cima da cadeira). O bandido então, com a moça em seu cavalo, saiu correndo com seu cavalinho pocotó pocotó e foram para muito longe. A princesa gritava enquanto cavalgavam
Socorro! Socorro! Salve-me meu príncipe!
O príncipe saiu do castelo (despia ambas as mãos e voltara a encarnar o príncipe). Ao ver que sua amada não estava no alto do castelo, tomou seu cavalo e cavalgou pela floresta (abriu um caminho na bagunça de brinquedos no chão). No caminho encontrou um pequeno sábio (colocou a meia do pequeno em uma das mãos do seu dono) que estava no meio do caminho e perguntou:
...
E então filho? O que o sábio disse? Ah, é pra mim falar? Então eu vou falar!
Oh cavaleiro! Para onde você vai? Caminho em busca da minha bem-amada que foi raptada por um bandido cruel! Você viu por onde ele foi pequeno sábio? Ah ele foi por ali ó! (um dos dedos do pequeno despontou da meia). Sou eternamente grato! Ah mas você vai atrás dele sem nada? Por que pequeno sábio? Recomendas-me algo? Tó, leva essa adaga (era um palito de dentes que estava ao acaso no chão), acho que vai precisar! Agradeço! Deseje-me sorte! Boa sorte! Tchau!
E então o príncipe caminhou na direção apontada pelo sábio. Enfim encontrou o mal-caráter (tornou a colocar a meia rasgada e preta) perto de uma clareira na floresta (o pai abriu com as mãos um espaço vazio entre os brinquedos do filho e lá posicionou os dois personagens).
Ah vilão malvado! Então foi você quem roubou meu grande amor? Sim, mwahahaha! Se a quiser terá de me enfrentar! (sacou o bandido outro palito de dentes)
Começou então uma briga violenta entre os dois, que terminou com a vitória do príncipe. A princesa (tirou a meia do bandido e colocou a da princesa) saiu de sua prisão e agradeceu ao príncipe
Oh obrigada meu herói! Foi tão valente e corajoso!
Retornaram ao castelo, falaram com o rei e resolveram que seriam muito felizes se casassem. E então preparou-se uma festa na frente do castelo, chamaram o pequeno sábio que deu o conselho ao príncipe e trocaram juras de amor eterno. Casaram-se e viveram felizes para sempre!
Como você e mamãe né pai? É verdade filho. Embora eu não seja princípe e sua mãe princesa, mas nós dois temos muito em comum com essa história.
Feliz com a história que seu pai contara de maneira tão inédita ao filho, e muito mais feliz pelo caminho que lhe foi aberto, o filho tomou as meias do pai e brincava no chão do quarto, inventando outras histórias com meias e outras meias mais. O filho descobriu naquele dia que alguns brinquedos não se consegue comprar nunca e que existem as histórias de amor. O pai descobriu que a vida, embora não seja um conto de fadas, é tão simples quanto um teatro de meias ou uma história de amor: o tempo é que torna os brinquedos, a nossa língua e o amor mais complicados.