Crônicas, Poesias e Estórias de um João

terça-feira, abril 26, 2005

Palavra escrita ou palavra falada?
por Luiz Guilherme Yassuda (www.provisoriamente.cjb.net)

Quando surgiu a palavra escrita, diz-se ter começado a História.

A palavra escrita é uma representação da palavra falada, que é uma representação da realidade, que por sua vez é apenas uma interpretação sua... Ou seja: é uma total simulação de algo da sua cabeça, certo?

Talvez não seja tão pouco...

Tentemos definir a palavra. A palavra em si representa a realidade comum, ou seja, é uma convenção que visa tornar comum a todos uma realidade comum àquela comunidade. Surgiu da experiência do homem com o seu interno e o externo e para comunicar sem que fosse necessário uma amostra grátis. Imaginemos nosso pseudo-macaco na caverna, vigiando sua entrada, enquanto o seu bando dorme. Eis que surge um voraz, faminto e impiedoso tigre dentes-de-sabre que se desloca em velocidade acelerada em direção da caverna. Um único grunido dizendo "tigre!" acorda a todos. Porém, é comum a todos eles que um tigre representa perigo à sobrevivência. Em um bando mais "evoluído", também poderia ser comum a todos que o fogo espantaria tal animal. Com o passar do tempo, esses homens vão, com certeza, morrer. Pode ser que seus filhos nunca tenham visto o tal tigre, mas é certo que quando chegar um tigre, se comportarão como seus pais. Por quê? Seus pais tiveram a experiência da realidade. Os filhos, a experiência da comunicação.

Voltemos para uns milianos depois... a palavra escrita surgiu num dado momento em que se considerou necessário registrar. Até então, registros e histórias eram coisas da poesia cantada, dos velhos sábios... Num processo lento e gradual, a palavra escrita imortalizou velhas profecias, grandes artistas e provavelmente irá imortalizar escritores de quinta categoria (é nesse grupo que eu me enquadro). A palavra falada já trazia em si diversas conotações (afinal, como vimos anteriormente, o "tigre" não era apenas o felino), que foram incorporadas pela palavra escrita. Mais: a palavra escrita conseguiu dar a essas conotações suas devidas representações (no caso da escrita oriental ou mesmo da formação do nosso alfabeto).

A palavra escrita, enfim, atemporalizou a comunicação. O que antes ocorria de pai para filho, de ancião para jovens, em corpo presente, agora acontece de Aristóteles para você.

Essa desmaterialização da comunicação conseguiu aprimorar outros meios, que intertextualizaram meios antigos. O poema do aedo virou pergaminho, que virou livro impresso, que virou notícia impressa, que virou notícia em ondas, que virou notícia a cabo, que juntou na notícia elétrons reproduzindo seres humanos, sons e notícias, que finalmente viraram uma caixa eletrônica que uma dúzia de computeiros sabe realmente como funciona e que serve para você conversar em "tempo real" com uma pessoa em Nagoya sem que você a conheça, ou mesmo noticiar detalhes minuciosos da sua existência insignificante para qualquer um que estiver interessado em saber disso. A palavra escrita é a forma com que a comunicação se encontrou para dar a todos a chance de receber a mensagem do emissor mesmo que a distância temporal entre ele e os receptores seja enorme. Pensa que isso é pouco? É simplesmente o que todos os meios de comuncação atuais utilizam como base. Um texto pode se tornar obsoleto, mas não desaparecerá jamais e servirá ao menos de memória e arquivo.

Você consegue imaginar sua vida sem qualquer tipo de arquivamento?

Postado por Little John às 00:40.