"Ora afinal a vida é um bruto romance e nós vivemos folhetins sem o saber." - Sweet Home, Carlos Drummond de Andrade
Sobre o blog:
Narração dos fatos da vida de um universitário, aspirante a escritor de prosa e verso. Nesse passeio, o cotidiano, a amizade, a cidade natal, o amor e temas metafísicos ganham um enfoque literário sob a visão de quem escreve.
Sobre mim:
Nome: João Francisco Amorim Enomoto Nascimento: 20/10/1984 Idade: 21 anos Estuda: Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP - Curso Bacharelado em Ciências da Computação Família: Sandra, mamãe; Lumi, irmã; Pedro, irmão caçula. Inspirações literárias: Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, João Guimarães Rosa, José Saramago, George Orwell, Clarice Lispector, Machado de Assis, Pablo Neruda, Italo Calvino. Ouve: MPB, Bossa Nova, Samba. Gosta: de todos os amigos que tem, ouvir música, sair com os amigos, filosofar, escrever, ler livros de computacao e literatura em geral. Não gosta: gente egoísta, egocêntrica ou limitada na maneira de pensar. Lendo: Um livro aqui, outro acolá.
Estava na oitava série. Fazíamos um trabalho daqueles grandes, para ser apresentado para toda a escola, famílias e parentes dos alunos e dos professores. Nosso tema especificamente recaiu sobre o próprio colégio, que na época estava comemorando mais um aniversário e tinha bastante tradição e história (hoje em dia colégios cristãos como aquele não tem vivido boas épocas no que toca à religiosidade, mas isso é outro assunto). Decidimos então realizar uma exposição fazendo uma comparação do colégio a muitos anos atrás por meio de fotos, quando ainda era um colégio de freiras apenas, até os momentos daquela época, com reformas recentes e com outras pessoas também.
Foi uma verdadeira viagem no tempo daquele prédio: achamos fotos vários de locais que nem nós que estudávamos lá havia pelo menos uns quatro anos (eu oito) tinhamos seque conhecido. Quem diria que as moças de épocas remotas costuravam por lá, os laboratórios tinham um aspecto de saído de um laboratório antigo (como o de um químico famoso), como se tivessem feito as primeiras experiências de química naquele lugar, as salas de aula então nem se fale, cheias de detalhes que denunciam muito bem a época em que se tirou aquelas fotos. Pegamos as fotos e saímos à caça daquele quebra-cabeça embutido no nosso próprio colégio, a capturar poses iguais localizadas em um tempo diferente daquele.
Uma série de fotos chamava particularmente a atenção: as da capela. Talvez as igrejas sejam as que menos sofrem mudança com a ação do tempo, refletindo exatamente a doutrina da igreja católica. Um porém é que não seria possível tirar fotos do local sem autorização prévia e toda uma burocracia que estávamos dispostos a esquecer. Tiramos as fotos, rapidamente e sem que dessem conta. Ao revelar, percebemos que as fotos tinham queimado. Dizia meu amigo: "dizem que foto de dentro de igreja não sai". Maneira de dizer. Com uma câmera mais profissional do que a nossa módica de dia-a-dia, conseguiríamos fotos tão boas quanto quiséssemos. Dizia meu amigo que era alguma coisa do sagrado que impedia que as fotos saíssem.
II
Uma cena tão repetida na minha vida: eu e os céus. Os céus tem muita coisa em comum conosco, talvez até seja um reflexo do que vemos, do que está dentro de nós. Há quem diga que nosso destino está escrito nas estrelas, há quem ignore isso, mas uma unanimidade é que o céu estrelado de uma noite é tão lindo de se ver que se passariam tempos e tempos a contemplá-lo, sem se questionar nomes de estrelas ou ainda tentar enxergar as estrelas com os olhos impregnados de um cientificismo barato.
Não foram poucas as vezes que eu parei e olhei para um céu estrelado, e fiquei me perdendo por aqueles caminhos infinitos. É nessas horas que você amarga viver em São Paulo, que embora seja capital de tanta coisa boa (e ruim também) não é capaz de sequer propiciar um momento de paz no céu em meio às estrelas e ainda a paz que nós precisamos, periodicamente.
E se você parar para olhar para o céu, ele tem tanta poesia que você fica abismado. Principalmente se você fez um pacto daqueles de sangue com a poesia, porque aí é difícil não buscar orientação no céu e tentar procurar em uma estrela um tema para escrever. O céu é tão grande, dizem que ele é infinito. Qualquer coisa que se compare a grandeza do céu fica tão invariavelmente pequeno e insubstancioso que acredita-se, e até hoje nunca contraporam essa idéia senão os céticos, de que o céu é mais divina das obras primas de Deus.
Tentei tirar uma foto do céu um dia. A foto queimou.
III
Não lembro exatamente quando foi a primeira vez que amei. Talvez amor de verdade tenha sido muito mais recentemente, mas ainda assim eu me sinto como flutuando no meu próprio amor. Amor mesmo é complicado, é um sentimento tão gostoso de se deixar levar que é difícil não deixar você perder o seu coração por ai a procura de um grande amor, ou ainda na manutenção diária de um grande amor.
Fato é que desde pequeno eu amei. Eu pessoalmente comecei desde pequeno, tinha algo na casa de cinco anos e já amava. E já amargava também. A minha infância foi tão maravilhosa nesse aspecto que chega a me dar raiva ao ver que hoje em dia o amor e o sexo são tão banalizados, e crianças com idade de brincar ficam tão preocupadas com sexo quando deveriam se preocupar em crescer.
Pode soar piegas e até mesmo idiota, mas já deixei meu coração na mão de muita menina nesse mundo. Há quem o aceitasse, há quem o recusasse. Amor dói. Dói como qualquer outro sentimento, doer é um fato inerente a existência humana e a prova definitiva de que estamos vivos. E o amor sublime como é, mas ainda assim um sentimento, mexe com a gente. Quem nunca se sentiu triste por de repente descobrir que a pessoa que se ama não corresponde o amor que lhe é dado? Ou ainda: quem nunca machucou uma pessoa amada?
É triste sofrer de amor. Mas ainda assim, no peito o coração bate como se dissesse "que bom que você está ai; alguém não me quis, mas ainda assim posso morar nesse peito que há de ser sempre meu", e é verdade. Às vezes falta peito para tanto coração, às vezes falta coração. Sem coração ficamos duros, frios a realidade. Coração é exatamente aquilo que nos separa das máquinas, dos computadores, por mais que se tente embutir na lata um coração. E mesmo quem nasceu com um coração grande e aberto pode endurecer com o passar do tempo, como se o coração tivesse sido espetado com um veneno desses que andam pela vida e enfim, tornamo-nos depressivos e tristes e severos.
Mas felizmente há muita gente com um coração na mão por ai, disposto a entregá-lo a quem quer que o destino se incumbir de escolher. Somos vivos, afinal. Achei que poderia imortalizar um coração em uma foto, mas nossos corações estão em constante mudança e jamais seria capaz de uma foto permanecer eterna como toda a foto se propõe a ser (na sua existência).
Conjectura
Junte tudo isso numa panela, como se faz com uma boa feijoada. Chega-se às seguintes questões: é possível construir uma igreja de estrelas? é possível um amor ser divino? é possível prometer o céu para quem se ama? o que é divino dos três? seremos, seres humanos, divinos? por que precisamos de fotos? etc...
Um leitor atento, já percebeu que, como todo bom texto (modéstia à parte), toda a pergunta está respondida no texto. O que fiz foi apenas inverter a ordem de tudo. De tudo mesmo.
Postado por Little John às 04:53.
terça-feira, novembro 29, 2005
Os Livros I
Estava eu indo ao ponto de ônibus, como todos os dias e como sempre. No corpo a bolsa com livros, cadernos, estojo; na mão uma blusa para uma eventual virada de tempo tão comum em São Paulo e um livro que venho relendo no ônibus. E foi pensando nesse livro que eu comecei a divagar sobre a natureza dos livros e de como o tempo tem sido injusto com eles. Hoje em dia as pessoas, acredito eu, preferem muito mais programas instântaneos, que fornecem uma diversão rápida e passageira a preços mais populares. Ou mesmo aquilo que não exija tanto o esforço de se ler, ou ainda aquilo que não tenha de se ler, ou ainda tem aqueles que não sabem ler e portanto não sabem o quão prazeroso um livro é.
Esquina da avenida Angélica com o cruzamento da minha rua, que mais adiante tem outro nome (caprichos de São Paulo). Perto da esquina, um ambulante vendendo CDs de música. Eis então que eu pensei "Taí, as pessoas hoje em dia preferem comprar um CD a dez reais de música popular a ler um livro". E cá entre nós, a qualidade da música atualmente tem caído a níveis alarmantes, um fenômeno observado de uns tempos para cá, sempre há uma nova moda. Mesmo assim, é muito mais interessante para um transeunte comprar um CD de música desses a dez reais do que comprar um livro. Talvez até o livro tenha adquirido uma conotação negativa, algo que somente gente letrada e que gosta de estudar (meu Deus, existe esse tipo de gente no mundo!) realmente goste de comprar.
Aquém dessa conjectura toda, uma verdade se instalava todos os dias no ponto de ônibus onde todos os dias eu me encaminho a minha faculdade: o vendedor de CD já citado, um vendedor de livros de sebo (daqueles um pouco mais conservados), um artesão de brincos e bijouterias diversas e uma senhora que vende seu café e suas tapiocas (que um dia hei de experimentar). Junte-se ao cenário as pessoas que esperam o ônibus. E esse seria mais um dia como outro qualquer, com uma conjectura qualquer também.
Porém, se fosse um dia qualquer não mereceria ser escrito aqui. Pelo menos não depois dessa introdução e de um título tão enigmático. Pois bem, alguns minutos de espera no ponto por algum ônibus e eis que eu vejo um, dois carros da polícia metropolitana. Passavam devagar, olhavam para as calçadas como a procurar algo. Em seguida, passam uma van e um caminhão, com vários sacos brancos amarrados. Não é necessário ser muito esperto para ver que eles estavam atrás de vendedores ambulantes. Os vendedores que o digam: de repente estavam todos brancos de pavor, sem saber onde colocar os seus respectivos produtos. Um a um os políciais saíam dos carros, como se fossem uma polícia especial de outrora e caminhavam sadicamente em direção ao comerciante de CD. Muito alvoroço no ponto, algumas pessoas impressionadas com a cena e outras indiferentes, esperando o ônibus. Enquanto apreendiam as mercadorias do pobre coitado, os outros ambulantes juntavam como podiam suas coisas, numa tentativa de talvez salvarem alguma coisa; correr da polícia também não adiantaria. Alguns dos homens e mulheres da lei passeavam pela calçada e viam os ambulantes. Apenas olharam. Aconselharam aos ambulantes que fechassem seus comércios por aquele dia, pois a fiscalização (claramente) estava passando por lá e não poderia liberar ninguém. Mas uma piedade que foge do divino e cai na Terra salvou os seus produtos: os livros, as bijouterias, as tapiocas. Nesse meio tempo, jogavam as mercadorias e a barraca do vendedor de CDs em cima do caminhão, para se juntar a outras mercadorias ilegais. Nesse meio tempo, o atrapalhado vendedor de livros juntava atrapalhadamente suas mercadorias. Algumas pessoas no ponto, percebendo seu nervosismo, ajudavam o pobre homem (mal sabe ele que mesmo que não fisicamente eu o ajudava também). A moça das tapiocas também recebeu ajuda e em breve todos estavam com tudo empacotado para uma fuga segura. O homem meio que sem graça, aflito, assustado e qualquer outro sentimento que se adequasse ao momento soltou apenas um "Obrigado gente!".
Voltamos então à conjectura. Qual foi afinal a moral dessa história tão particular no dia-a-dia de um estudante universitário? Talvez que a justiça ainda exista. Ou que as pessoas ainda acreditam nos livros, que mesmo as mãos da justiça acreditem que um livro é importante, assim como a arte em geral e o caráter de um comércio que é feito pelas mãos de gente humilde que só quer ganhar o seu dinheiro. Não que eu tenha ficado triste pelo comerciante de CDs, mas sei que o comércio deles era o mais ilegal de todos, afinal CD pirata é algo que prejudica os artistas que lançam o CD, etc etc. Mas além disso, gravar CDs de música é algo que gera lucro bem rápido, não há de se demorar para que aquele homem voltasse a armar sua banca ali.
Talvez tenha tudo sido um grande acaso, talvez as pessoas tenham ajudado o vendedor de livros por mera compaixão, e ajudariam quem quer que precisasse. Talvez a polícia tenha escolhido ao acaso aquele que daquela região da avenida Angélica teria sua mercadoria apreendida. Talvez. Eu prefiro acreditar que nada disso foi um acaso e sim uma manifestação de que ainda existe uma justiça invisível, que nem tudo está perdido para a literatura e que talvez as pessoas abram seus corações para um universo paralelo que nos dá lições de viver todos os dias. Talvez, talvez...